“Falta de professores alastrou-se a todas as zonas do país”

Houve, semanalmente, milhares de alunos sem aulas ao longo do 2.º período. Representante dos diretores escolares afirma que escassez de docentes se alastrou a todo o país, sendo “cada vez mais difícil encontrar professores para substituir outros colegas”.

Falta de professores alastrou-se a todas as zonas do país (dn.pt)

Falta de professores, milhares de alunos sem aulas e recorde de aposentações. Este é o balanço do 2.º período letivo que em nada difere da análise feita pelos diretores escolares no 1.º período. Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP) afirma tratar-se de um “vírus” [falta de docentes], que se já se sente em todas as zonas. “O decurso do 2.º período letivo foi pautado por esse ‘vírus’ que percorre já grande parte das escolas do país, com epicentro nas regiões de Lisboa e Vale do Tejo e Algarve, em diversas disciplinas, principalmente no que respeita à substituição [de docentes]”, explica. Um panorama que, conta, resulta num “enorme constrangimento para o processo ensino-aprendizagem”, prejudicando os alunos “que se ressentem principalmente nas disciplinas e anos de provas finais ou exames”.

A somar à falta de novos docentes diplomados está o recorde de aposentações. Nos primeiros dois meses do ano reformaram-se mais professores do que, por exemplo, em todo o ano de 2018 (ver caixa). “Na verdade, o número de professores a obterem a aposentação cresce ano após ano, todos os meses, na ordem das centenas, tornando-se cada vez mais difícil conseguir docentes para substituição, pois os horários são pequenos (por norma 14 horas) e alguns longe de casa, inexistindo apoio à estadia, embora tenha sido atribuído um pequeníssimo apoio na deslocação, mas em casos singulares”, sublinha o presidente da ANDAEP. E é, por isso, “cada vez é mais difícil encontrar professores para substituir outros colegas, seja qual for o motivo”.

As escolas do Norte do país, tendencialmente menos afetadas com a falta de docentes, “já começam a ser atacadas” pelo ‘vírus’ [escassez de professores]”, garante o presidente da ANDAEP, temendo “um crescendo da situação que pode dar azo a uma pandemia, pois o constrangimento já é sentido de modo generalizado”.

Para Filinto Lima, o próprio processo de seleção também contribui para longos períodos sem professor substituto. “As escolas requerem os horários em falta ao ministério, e todas as semanas, às 6.ªs feiras, a plataforma respetiva diz de sua justiça, cada vez mais sem ninguém para colocar. De imediato é aberto concurso a nível de escola para que a vaga seja preenchida. É um processo moroso, burocrático, deixando vários dias alguns alunos sem aulas”, explica.

Mais de 40 000 alunos estiveram sem professor ao longo do 2.º período

Davide Martins, professor de Matemática e colaborador no ArLindo (um dos blogues mais lidos no setor da Educação) elabora estudos comparativos para esta página e explica que durante os meses de janeiro e fevereiro foram disponibilizadas mais de 51 000 horas para lecionar (mais de 25 000 por mês). “Nos cerca de 40 dias úteis de aulas nestes dois meses houve cerca de 1300 horas por dia. E, mantendo a mesma estratégia conservadora (disciplina com três horas semanais e turmas com 20 alunos), pode-se afirmar que semanalmente, mais de 40 000 alunos estiveram sem professor a pelo menos uma disciplina”, sustenta.

E é a sul de Coimbra onde há mais alunos sem professor a uma ou mais disciplinas, embora, segundo Davide Martins, haja “indícios que mostram um agravamento da situação a norte”. “No distrito do Porto, por exemplo, neste 2.º período, saíram mais horários em comparação com o 1.º período. Significa, portanto, que muitos horários não tiveram professores disponíveis nas listas de ordenação, o que obrigou os diretores a submeter mais pedidos de ofertas de escola. Em muitas escolas do Norte, garantir professores profissionalizados de informática, história e geografia não tem sido tarefa fácil”, avança.

A exceção foi o mês de março, embora não signifique uma melhoria na escassez de professores “Neste momento, com a interrupção da Páscoa, há poucos horários disponíveis para Contratação de Escola (cerca de 50). No passado sábado, eram perto de 150 horários, o que representa cerca de 12 000 alunos sem professor. Também esses horários não refletem o real panorama, uma vez que, por norma, à medida que se aproxima do final do período também os pedidos de horários diminuem”, explica. O professor de Matemática sublinha que, “apesar de haver, do ponto de vista da opinião pública e devido à situação política, uma aparente acalmia na escola pública neste período, nenhum dos problemas que os professores enfrentam foi resolvido”. “Alguns problemas até se agravaram: a dificuldade de manutenção das centenas de portáteis e da estrutura da rede e o número crescente de alunos estrangeiros nas turmas não eram problemas na maior parte das escolas há dois anos”, alerta.

O DN contactou o Ministério da Educação para obter o número oficial de alunos em professores este período, mas não obteve resposta até à hora do fecho deste edição.

Avaliação rigorosa dos alunos será “difícil”

Davide Martins assume grande preocupação com a forma como os alunos serão avaliados este período ou no final do ano letivo, “pois muitos não tiveram professor ou tiveram apenas algumas aulas”. “Acho, e acredito que muitos encarregados de educação concordam comigo, que será muito difícil fazer uma avaliação rigorosa, aferindo as competências que os alunos adquiriram ou as dificuldades que sentiram”, conclui.

A falta de professores não foi, segundo Davide Martins, o único problema enfrentado nas escolas, salientando que “a desburocratização só trouxe mais burocracia” ou o trabalho com alunos com necessidades especiais, que classifica como “uma teia burocrática que só dificulta a implementação das estratégias pedagógicas”. Existe ainda, afirma, uma crescente “desresponsabilização dos alunos pelo seu trabalho”. Uma situação que, defende, “contribui para a tão propalada ideia de facilitismo”. Há ainda lugar a balanço negativo no que se refere à indisciplina, que “continua a ser vista como um não assunto”. Problemas que afetam os professores, “ cansados a assistir de forma impotente e preocupada àquilo que acontece na escola”.
Reverter o panorama não será, entende Davide Martins, tarefa fácil, devendo passar, obrigatoriamente, pela valorização da carreira docente sob pena de “assistirmos a uma deterioração exponencial da escola pública ao ponto de se tornar irreversível”.

Filinto Lima antevê um último período difícil e com constrangimentos na realização das provas finais de 9.º ano (Português e Matemática) em formato digital”. “As atuais condições existentes não auguram um clima de tranquilidade merecido pelos nossos alunos, principalmente no momento solene (e de natural nervosismo) em causa”, admite. Contudo, garante que “as escolas tudo farão para que a efetivação destas provas seja o mais normal possível, contribuindo para a paz e tranquilidade inerentes à situação”. O presidente da ANDAEP está expectante para “perceber que medidas serão tomadas pela próxima equipa ministerial” e lança um pedido ao futuro ministro ou ministra da Educação. “As duas primeiras decisões, deverão obrigatoriamente ser as seguintes: validação (ou não) da realização das provas de aferição e provas finais de 9.º ano em formato digital e a devolução dos 6 anos 6 meses e 23 dias do tempo de serviço aos professores”, de forma a garantir tranquilidade nas escolas. “O país educativo está na expectativa de saber que medidas de política educativa serão incrementadas”, conclui.

Primeiros quatro meses de 2024 registam 1290 aposentações

O 2.º período do ano letivo 2023/24 começou com recorde de aposentações, com 434 profissionais a sair do sistema, em janeiro. Nos meses de fevereiro e março foram mais 614, totalizando 1048 docentes reformados em três meses. O 3.º período segue a mesma tendência com 242 aposentações, em abril. O número poderá ser ainda mais elevado, pois estes dados são apenas os de professores da Caixa Geral de Aposentações (CGA) e não contempla os docentes da Segurança Social. Mário Nogueira, secretário-geral da FENPROF estima que, se o ritmo de aposentações se mantiver ao longo de todo o ano, em 2024 podem aposentar-se mais de 4900 docentes, sendo o número mais elevado do milénio.

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